Entrevista Coletiva: Leandro Reis

Para encerrar a série de matérias especiais sobre o universo fantástico de Grinmelken, suas personagens cativantes e as dezenas de histórias já lançadas e por lançar, nada melhor do que uma entrevista com o criador dessa bagunça toda. Mas, como não sou muito adepto das coisas certinhas, regradas, resolvi fazer diferente. Então, em vez das sempremesmas perguntas de praxe presentes em nove de cada dez entrevistas e do entrevistador chato [no caso, este que vos tecla] que assume para si o papel de Deus, resolvi reunir um time de excelentes entendedores do fantástico para fazermos uma inédita Entrevista Coletiva.

Então, com vocês, as dúvidas, indagações e questionamentos de escritores, editores e leitores a Leandro Reis:

Pergunta: O que você acha dessa eterna procura pelo “novo Tolkien/ Tolkien brasileiro”? É algo válido, literariamente falando, ou é apenas marketing? É algo que você almeja? — Ana Cristina Rodrigues, Escritora.

Leandro Reis: Acredito que seja uma busca um tanto sem sentido. Claro, é normal que os leitores e críticos procurem comparações. Mas, Stephenie Meyer é a nova Anne Rice? Martin é o novo Tolkien? Bernard Cornwell é o novo Alexandre Dumas? Eu não diria isso. Admito que não costumo fazer tais comparações. O fato é que eu almejo contar uma história que prenda o leitor, que o faça rir, chorar, ter medo e, no fim de tudo, pensar que valeu a pena despender várias horas diante daquelas páginas. As comparações eu deixo para o público.

P: Houve a preocupação em criar um mundo completo de alta fantasia, em todos os seus aspectos? Como você lidou com a problemática de leis da física diferentes e os seus impactos no cotidiano de quem vive no seu mundo? Erick Santos Cardoso, Escritor e Editor da Draco.

LR: Exceto por colocar a magia na balança, o resto eu mantive do mesmo modo, exatamente para não precisar explicar leis da física, órbitas loucas e comportamentos climáticos. Deste modo, pode-se considerar que Grinmelken possui as mesmas leis da física que a Terra, assim como os mesmos ciclos. Logo, não há problemática e posso focar no que mais gosto: a trama. Já a magia foi pensada com cuidado. Eu tenho sua origem bem detalhada, suas regras e suas variações. No meu mundo, o leitor encontrará a magia elemental, que permite aos homens conjurarem relâmpagos e erguerem muralhas de pedra; também há a magia necromante, responsável por criar mortos-vivos e aprisionar a alma dos inimigos, e, ainda, a magia rúnica, que pode erguer uma cidade voadora após intricados rituais.

P: Os cenários e personagens dos livros são muito bem descritos, sem tornar a leitura cansativa, e esse é um dos pontos pelos quais considero [O Legado Goldshine] uma das melhores séries de livros que já li. Sei da sua experiência com RPG, mas ainda assim queria saber de onde veio tanta inspiração para tipos tão diferentes de personagens que, ao mesmo tempo, se completam de maneira quase natural? M. D. Amado, Escritor e Editor da Estronho.

LR: Se narrar RPG por mais de uma década me ensinou algo, esse algo foi “criar”. O Legado Goldshine foi criado em meio a inúmeras sessões de jogos, onde testávamos personagens, cenários, monstros e até intrigas. Eu reuni nesses primeiros livros aquilo que mais deu certo e nos divertiu. Talvez o que nos tenha destacado no mercado tenha sido o modo como escolhi e reuni essas cenas. Desde pequeno, sou fanático por histórias épicas, de Willow na Terra da Magia a O Império do Sol. Gosto de pensar que, por ter absorvido tantas histórias emocionantes, aprendi a ter uma noção do que fica bom no papel. Ainda estou aprendendo e tenho muito que melhorar na minha escrita, mas meu arsenal de cenários, intrigas e heróis ainda está longe de acabar.

P: Como é o seu processo criativo e de onde tirou o nome para os personagens? Douglas MCT, Escritor.

LR: No começo, costumo brincar, eu dava umas testadas no teclado e emendava as letras que saía. Algo mais ou menos assim: “csamkl”; vejamos, um “á” e um “o” bem posicionados e temos “Cásamkol”, um lendário guerreiro de Antália. Eu também ficava misturando nomes. Olhava em volta, via uma “caneta”, depois lia “gradiente” no som ao meu lado. Aí, misturava: “Granente”, o mago, ou “Tagra”, o bárbaro… Hoje em dia eu parei com isso. Procuro nomes por aí, focando no significado deles. Aisha = vida, Helena = Luz, Alexia = Que repele e defende, Ingrid = Em forma de guerreira, Autólico = Lobo perfeito, e por aí vai.

P: Você enfrentou barreiras para publicar a sua obra? Caso sim, quais foram? Por que o apelido “Radrak”? Ademir Pascale, Escritor e Editor do site Cranik.

LR: O fato de querer começar a carreira com uma saga foi a maior barreira que enfrentei. A principal justificativa das editoras era o fato de eu apresentar uma trilogia, sendo que nunca tinha publicado nada. Foram quase dois anos em busca da publicação e, ainda assim, a primeira edição do livro Filhos de Galagah saiu como se não fosse parte de uma trilogia. Só depois de um ano, com a resposta do público e uma visão do potencial da saga, a Idea Editora assumiu a trilogia. Contudo, uma vez que a Idea decidiu apostar na trilogia, as coisas fluíram muito bem.

A origem do nome Radrak é uma história à parte. Possuo esse nick desde os 16 anos, na época dos IRCs e chats. Tal alcunha surgiu por ser o primeiro personagem que criei para Grinmelken, e permaneceu até hoje.

P: Você chegou a um patamar que poucos autores da literatura fantástica brasileira alcançam: publicou uma trilogia em um mercado editorial arisco que se tranca a sete chaves para publicar autores nacionais em séries, com medo do risco financeiro que isso envolve. Como foi a experiência de ter que negociar uma saga com a editora, a receptividade, o planejamento editorial, como controlou a ansiedade normal aos autores e, principalmente, como manteve o lado artístico em equilíbrio com o [lado] comercial da questão? Georgette Silen, Escritora.

LR: Uma vez que a Idea comprou a aposta da trilogia, controlar a ansiedade até que foi fácil. Sou uma pessoa acostumada com cronogramas e planejamentos. Assim, uma vez que as datas, mesmo provisórias, foram esclarecidas, eu me acalmei. Quanto ao lado artístico versus o lado comercial, nunca precisei me preocupar. A Idea sempre me apoiou em minhas criações, sem podar cenas ou exigir inserções para aumentar a vendabilidade do livro. Este é um ponto ótimo no meu relacionamento com a editora, pois tenho plena liberdade para criar. Contudo, tenho total ciência de que esta sociedade entre meu mundo e a editora só é possível por que meu trabalho possui certo apelo comercial. Mas, realço: isso nunca foi cobrado de mim. Tal apelo é natural ao tema da obra.

P: Adotar o formato de trilogia aumentou a força de divulgação do seu trabalho de alguma forma [ou seja, você acha que o pessoal recebe mais abertamente ou entende com mais facilidade o formato e isso ajuda no buzz]? Eric Novello, Escritor.

LR: Na verdade, não. Adotar o formato de trilogia apenas dificultou a divulgação do trabalho, exigindo que multiplicássemos esforços e gastos na promoção desta história. Tanto que decidi escrever alguns volumes únicos antes de entrar em outra trilogia. Quanto à receptividade, varia de leitor para leitor. Eu visito feiras constantemente e adoro trocar palavras com os leitores, divulgando a obra, pessoa a pessoa. Nessas conversas, já vi quem reclamou da obra ser uma trilogia e disse “estar cansado de séries” e vi quem disse “eu adoro séries” e comprou os três livros para eu autografar. No frigir dos ovos, creio que a força da divulgação está no trabalho do autor e na sua presença constante em eventos literários e redes sociais. Isso gera o buzz e isso me trouxe ao patamar que estou hoje.

P: Crossmedia é um termo relativamente recente que serve para definir vários desdobramentos de uma mesma ideia em diversos meios, seja literatura, cinema, quadrinhos, RPG ou videogames. Seu trabalho já veio a público investindo neste conceito, unindo literatura e jogos de interpretação. Pretende investir em novas mídias no futuro? Poderia adiantar em quais? Romeu Martins, Escritor.

LR: Sou da geração Y, então, estou sempre pensando em várias coisas ao mesmo tempo. Hoje, eu sei que as chances de fazer um Live action [filme com atores reais] de Grinmelken são ínfimas, mas tenho projetos que envolvem HQs, animação e jogos, tanto de tabuleiro quanto de RPG clássico. No entanto, meu foco é fortalecer Grinmelken como literatura, para, depois de consolidado, partir para outras mídias. Vontade de fazer tudo não falta, mas respeito o ditado: “tudo ao seu tempo”.

P: Na hora de criar você abusa das referências, só escreve quando todas as ideias já estão formuladas na cabeça ou passa por um longo caminho de pesquisa para achar as ideias perfeitas? Como sua mente trabalha neste momento de criação, desde o início até a finalização de um trabalho? Tiago Castro, Editor do site Universo Insônia.

LR: Eu sempre faço pesquisas, mas, como é um mundo próprio, não preciso me aprofundar nelas. Quando estou criando eu sigo um roteiro básico que preparo antes de começar o livro. Neste roteiro eu tenho, em uma frase, a essência do capítulo. Algo como “Casakól encontra Tagra aprisionado.” A partir disto, desenvolvo o capítulo escrevendo meio no improviso, meio no planejado. Às vezes, um capítulo segue seu próprio rumo e eu preciso mexer em todo o roteiro. Mas o resultado é algo bom, inconstante como a vida é. Quando estou mais próximo do final da obra, a coisa flui de modo frenético. Nos últimos capítulos, esqueço-me do roteiro e vou escrevendo até a história fechar. É interessante, pois 70% do livro é escrito em cinco meses. Os últimos 30% são escritos em menos de um. Uma curiosidade: enquanto estou escrevendo um romance, não consigo pular um capítulo para adiantar outro. Eu sempre escrevo em sequência.

P: A Fantasia estabelece uma linguagem na qual tem espaço a profundidade temática e o questionamento moral? Ou literatura é e deveria ser somente entretenimento? Bruno Accioly, Escritor e Editor do site Outra Coisa.

LR: Toda literatura nos dá espaço para trabalharmos tanto a profundidade temática quanto o questionamento moral, seja terror, policial, fantasia ou romance. Cabe ao autor decidir se vai fazê-lo e, optando por isso, também decidir se o fará de modo sutil ou escancarado. Eu foco minhas histórias no entretenimento, enquanto tento incluir questionamentos de um modo sutil. Muitos leitores perceberam e comentaram a mensagem que eu desejava passar com o relacionamento entre as protagonistas da trilogia, Galatea e Iallanara. É ótimo quando encontro leitores assim e posso discutir com eles.

P: Você publicou uma trilogia em pouquíssimo tempo, praticamente com apenas um ano de intervalo entre elas. Houve um tempo de gaveta para cada livro, os manuscritos passaram por leitores betas e copidesques [e, neste caso, quais foram os pontos positivos / negativos destas análises] ou os textos, ao modo rowlingiano, saíram prontos da sua cabeça? Rober Pinheiro, Escritor.

LR: O processo foi um misto de escrita direta com leitor beta. Possuo um amigo chamado Daniel Alencar que o destino colocou no meu caminho por volta do ano de 2004. Quando comecei a escrever, o Daniel começou a me criticar. Ao contrário do que costuma acontecer nesses casos, após alguns anos, nos tornamos grandes amigos e, hoje, passo os texto para ele conforme vou escrevendo. Ele vai opinando, questionando, discutindo e altero a história quando aceito os pontos dele. Além dele, possuo outros amigos que olham a obra enquanto estou escrevendo. E minha tiete-mor, minha esposa Priscila Cunha, que acha que está tudo sempre muito bom [muito útil após uma sessão de criticas e zoações do Daniel]. Apesar do trabalho de revisão da Idea, não temos trabalho de copidesque no Legado Goldshine.

P: Um dos pontos que você sempre faz questão de ressaltar ao falar de sua trilogia é o plano de negócios para publicação. Como ele foi realizado? O que de mais relevante foi considerado durante seu desenvolvimento? Everson Probst, Leitor.

LR: O plano de negócios foi feito pelo Daniel Alencar, como trabalho de pós-graduação em Gerenciamento de Projetos. O maior foco dele era no modo de como preparar o “produto” e entregá-lo ao “mercado”. No estudo feito, foi analisado também o investimento e os riscos de uma publicação por conta própria. É um trabalho muito completo, que me orientou no início de carreira e, sem dúvida, ajudou-me a conquistar a trilogia publicada.

ATENÇÃO! A próxima pergunta traz um leve spoiler sobre o livro três da série, Enelock. Se você ainda não o leu, sugiro que pule a próxima pergunta e vá direto para a pergunta seguinte, ou, então, leia-a por sua conta e risco.

P: Quando Enelock mata Helena, a sacerdotisa pergunta quantas vezes eles repetiriam aquilo e sua última visão é a de Orgul, o deus da escuridão e da maldade, e Aisha, a deusa da luz e da bondade, juntos. Poderia explicar melhor essa ligação entre os deuses quando eram mortais? E por que Helena perguntou a Enelock quantas vezes repetiriam aquilo? Eles se mataram em outras vidas? Eles foram Aisha e Orgul em outras vidas? Giovane Fernandes, Leitor.

LE: Explico. Existe um conceito hermético que diz mais ou menos o seguinte: “O que está em cima é como o que está em baixo e vice-versa”. O Legado Goldshine está repleto de conceitos deste tipo. Para escrevê-lo, quando comecei a brincar com esses conceitos, foi-me apresentado o livro Caibalion [livro esotérico e ocultista que trata dos princípios herméticos]. Fiquei tão fascinado com o livro e seus princípios que criei grande parte da espiritualidade de Grinmelken baseado nos seus ensinamentos. Voltando: a cena entre Enelock e Aisha é um reflexo do que aconteceu milênios atrás entre Orgul e Aisha, quando eram irmãos e mortais. Essa cena reflete o ciclo de batalhas entre o bem e o mal, que nunca termina, dando ritmo ao mundo. Helena é um anjo de Aisha e Enelock, um Aspecto de Orgul. Ali, as palavras de Helena vêm da própria deusa da bondade, sempre esperançosa na redenção do irmão, enquanto as ações de Enelock são ordenadas pelo próprio Orgul, sempre cheio de ódio. A situação é um ciclo, por isso ela faz a pergunta “Quantas vezes repetiremos isso?”. Essa cena é inspirada no conceito espírita de que o universo te apresentará a mesma lição, inúmeras vezes, até que você aprenda com ela.

P: Garras de Grifo é seu primeiro trabalho depois da bem sucedida Trilogia Goldshine. Onde este novo trabalho se situa dentro do seu universo? Há ligação com os trabalhos anteriores [livros / contos]? Há planos para novas trilogias? Flávio Vicentin, Leitor.

LR: Enquanto a trilogia Legado Goldshine se passa no Oeste do continente, [a história de] Garras de Grifo se passa no Leste, 50 anos após o fim da história do Legado. As obras são interligadas por menções aos personagens antigos [que nada atrapalham a leitura, para quem não conhece a trilogia] e pela participação do espadachim Gawyn Silverheart e do sacerdote da Guerra Caorídio. O [livro] Garras de Grifo também tem ligação com os contos Ruínas de Aço e A Morte e a Guerra, ambos disponíveis no meu site [www.guinmelken.com.br], para quem quiser conhecer. O legal é que, quando se termina a leitura do [livro] Garras de Grifo, percebe-se claramente que planejo escrever mais uma história sobre a Iallanara Nindra; esta seria uma trilogia, trazendo de volta Lemurian e revelando o destino de Ragasha… Mas deixarei a surpresa para os leitores. ☺

A entrevista está quase no fim, mas para fechá-la como se deve, com chave de ouro, nada melhor do que uma pergunta feita ao Leandro Reis pelo próprio… Leandro Reis!
Então…

P: O que seria da sua vida se você parasse de escrever? Leandro Reis, Escritor.

LR: [Eu me pergunto isso com certa constância e] não sei responder. Hoje eu veria tristeza, pois quando estou trabalhando para Grinmelken eu me sinto pleno. É como se ligasse uma tomada na nuca e carregasse minhas energias, dando-me humor e disposição para acordar cedo e ficar no computador do começo ao fim do dia. Essa é minha paixão e, sem ela, não consigo ver o fim da minha própria história.

Esta entrevista só foi possível graças à ajuda [e às excelentes perguntas] de muitos — e queridos — amigos. Então, o meu muitíssimo obrigado a Ana Cristina Rodrigues, Erick Santos Cardoso, M. D. Amado, Douglas MCT, Ademir Pascale, Georgette Silen, Eric Novello, Romeu Martins, Tiago Castro, Bruno Accioly, Everson Probst, Giovane Fernandes e Flávio Vicentin.

E, claro, um obrigado máster a Leandro Reis!!!

http://grinmelken.com.br/