O lado sombrio de Grinmelken
por Rober Pinheiro em agosto 29, 2012Zero Comentários =( Publicado em Livros
Sequências literárias costumam ser o calcanhar de Aquiles de quase todo escritor. Além de não trazer o frescor da ideia original, já apresentada e trabalhada à exaustão no volume de estreia, o número dois de uma série carrega a imensa responsabilidade de ter que sustentar o ritmo da primeira história, sem contar a necessidade de inovar para continuar mantendo o interesse, tanto dos velhos quanto dos possíveis novos leitores, no seguimento da trama. Há, entre os adeptos da fantasia, aqueles que torcem — mesmo que de leve — o nariz para As Duas Torres em comparação com A Sociedade do Anel, e aqueles que acham A Faca Sutil enfadonha se colocada ao lado da Bússola de Ouro. Há, igualmente, autores que apelam para um sem números de personagens e referências e tramas paralelas, Martin que o diga, e aqueles que usam as entrelinhas — ou as notas de rodapé — para criar outros universos além do seu próprio, como Jonathan Stroud fez em seu ótimo Bartimaeus.
O fato é que manter o interesse e trazer aqueles plus para uma história que já tem seu quinhão de fama é tarefa para poucos, coisa que, pelas boas resenhas e pelo retorno positivo dos fãs, Leandro Reis parece ter conseguido com o seu O Senhor das Sombras, o segundo volume da Trilogia Legado Goldshine.
“Escrever o livro dois foi muito interessante, pois eu tinha aprendido muita coisa desde o primeiro livro”, conta Reis.
Entre essas muitas coisas às quais Reis se refere, vale destacar duas sumamente importantes: a boa e velha mudança de estilo de escrita — do romance longo para o conto curto — e a sempre bem-vinda arte — infelizmente tão pouco praticada — da refacção: escrever, ler, reescrever, reler, revisar, voltar a escrever…
Após o término da maratona de divulgação d’Os Filhos de Galagah e seguindo a dica de amigos próximos Reis começou, nesta época, a elaborar sua já famosa série de contos grinmelkenianos. Valendo-se do já batido — mas ainda válido — adágio de que literatura é feita com 90% de transpiração e 10% de alguma outra coisa, o autor conta que, dos vários contos escritos entre o primeiro e o segundo livro, alguns ainda permanecem escondidos em sua gaveta, poucos viram a luz do dia — entre eles, os publicados em coletâneas, casos do A Dama Inevitável e O Deus Mantícora, e aqueles próprios do site — e muitos tiveram apenas na escrita, aquele ato sutil de sair da mente e ganhar o papel, seu propósito, seja para extravasar seu furor literário ou como um modo sadio de praticar o estilo e a prosa e, assim, esvaziar a mente para as ideias que seriam posteriormente aproveitadas no livro.
“Escrever os contos me manteve focado e serviu de válvula de escape para algumas ideias que surgiram do nada e, acreditem, estas ideias podem perturbar a ponto de acabar com o foco de um capítulo inteiro”.
De volta ao livro, Reis conta que concluiu a escrita de suas pouco mais de 340 páginas em 2009, iniciando, logo após, o processo de revisão e negociação com a Editora Idea para a publicação da continuação d’Os Filhos de Galagah.
“O Senhor das Sombras é bem diferente do primeiro livro. Eu gosto de dizer que ele retrata a escuridão, pois ele força os personagens aos seus extremos, começando a mostrar as mudanças que eles estão sofrendo na jornada que decidiram enfrentar”.
O livro dois retoma a jornada da princesa guerreira Galatea Goldshine, de seus companheiros e da missão que lhes fora confiada, a busca pelas três crianças perdidas e pelo poder que cada uma carrega, antes que os dedos sombrios e compridos do mal as alcancem. Leandro conta que, como não havia a necessidade de familiarizar o leitor com as personagens, religião ou política de Grinmelken, o foco pôde ser direcionado para outros elementos, como a questão do ritmo mais alucinante que foi imposto à história. Diferente do primeiro, aqui a aventura acontece de ponta a ponta. Há lutas, brigas e conflitos os mais diversos, incluindo disputas sombrias entre criaturas maléficas e uma batalha aérea digna de figurar nas melhores telas dos cinemas. Se n’Os Filhos de Galagah havia a constância marcante da luz, sinalizada principalmente pela reluzente presença de Galatea, aqui são as trevas que ditam o ritmo da aventura, e apesar de estar bem servido em matéria de vilões maléficos, com Sukemarantus ditando as regras e ali, mais adiante, um Enelock à espreita, é em Iallanara Nindra que a coisa toda se concentra.
“O carro-chefe d’O Senhor das Sombras é a escolha de Iallanara” — confessa Reis. “Aqui, a bruxa que escolheu seguir Galatea terá que enfrentar seu passado e tomar uma difícil decisão: trair sua amiga e protetora ou matá-la”.
Além dessa luta interior reservada à jovem bruxa, o acréscimo de novas personagens à trama, e o consequente enfrentamento / disputa de interesses entre eles, enriquece a trama e o caminho trilhado por essa trupe de aventureiros e seja através dos tiradas espirituosas de Gawin, do heroísmo galante do guerreiro Adam ou das palavras apaziguadoras da sacerdotisa Helena, Reis vai expandindo seu universo e sua própria literatura, demonstrando de forma bem concisa todo o aprendizado obtido durante a escrita da série.
Em uma conversa de bastidores, o autor indicou três momentos os quais considera especiais neste livro: a travessia da Floresta dos Enforcados, onde uma horda de espíritos raivosos quase enlouquece os heróis — “Espero conseguir deixar algumas pessoas receosas com meus fantasmas” —; a batalha dos poderosos Melatander e Geska, dois dos maiores dragões grinmelkenianos, uma paixão declarada do RPGista e nerd convicto Leandro Reis; e, finalmente, a decisão de Iallanara, especialmente a cena onde ela decide o rumo que a história irá tomar. “Não falo do livro, mas da saga em si. Coloquei muita emoção ali. Descrevi cada linha de diálogo arrepiado. Espero que a galera goste”.
Mais do que trazer personagens fortes e interessantes para esta continuação, como os dragões, os asgardianos que formam as poderosas tribos bárbaras do sul, ou o maléfico Sukemarantus, Reis aprofunda o drama de Iallanara e lhe dá uma nova dimensão. Exposta aos seus maiores conflitos, ela se vê obrigada a fazer uma escolha crucial, uma escolha que antes talvez não fosse tão difícil, mas que a convivência e aquele bichinho que ela tem tanto medo de chamar de amizade acabaram por alimentar e desenvolver: no final, ela terá que escolher e dessa depende sua vida.
E aí reside o mérito deste Senhor das Sombras. O plus dessa nova narrativa, que mencionei lá no começo, não está na criação de tramas paralelas ou na inserção infinita de outras personagens e cenários deslumbrantes, mas no aprofundamento das difíceis escolhas de uma só personagem, no mergulho e no desmembramento da essência de alguém que já conquistou o leitor desde sua primeira aparição, lá nas páginas do brilhante Filhos de Galagah.