3 perguntas para Rosana Rios e Martha Argel
por Rober Pinheiro em agosto 10, 2012Zero Comentários =( Publicado em Livros
Histórias de horror sempre fascinaram o homem, fato!
Afinal, quem nunca se pegou tremendo de medo ao ouvir um conto de fantasmas em torno da fogueira ou não foi vítima, durante a infância, das indefectíveis canções de ninar repletas de bois de caras pretas e homens do saco? Isso sem contar outras tantas narrativas que apresentaram zumbis, espectros, lobisomens e vampiros à nossa imaginação medrosa.
Estes mitos que [ainda] hoje assombram e fazem sucesso em livrarias e nas telas gigantes dos cinemas já permeavam a literatura desde o século XVIII, sobretudo durante o Romantismo.
Buscando resgatar essas referências pouco ou nada conhecidas dos jovens leitores nacionais, as escritoras Martha Argel e Rosana Rios vasculharam suas bibliotecas particulares e outras tantas bibliotecas, desde mundo e de outros mais sombrios, à cata de histórias de horror dignas que botarem medo até no mais corajoso dos escoteiros.
Reunindo contos que vão de Charles Dickens a Edgar Allan Poe, passando por Arthur Conan Doyle e Mary E. Brandon, a coletânea Contos de Horror, lançada pela Farol Literário, faz um apanhado do que de melhor foi produzido em matéria de terror / horror por estes ícones da literatura mundial.
Além dos contos, que já falam por si, o livro ainda traz notas explicativas que inserem o leitor na cultura da época, apresentando um panorama geral do horror enquanto gênero literário, provedor eterno de arrepios e sustos.
Para falar um pouco mais sobre a obra, Rosana Rios e Martha Argel toparam responder 3 perguntas para o Outra Coisa.
Outra Coisa: A Coletânea Contos de Horror surgiu como uma necessidade ou como uma oportunidade de mercado? Como foi o processo de pesquisa, de concepção e como se deu a divisão de trabalho?
Rosana Rios e Martha Argel: Nós duas somos fãs, já de longa data, da literatura fantástica do século XIX e começo do XX. Nessa época foram produzidas maravilhas, histórias elegantes, cativantes e muito assustadoras. Quando recebemos o convite da Farol Literário para organizarmos uma antologia com contos de terror escritos por autores renomados do passado, não pensamos duas vezes. Primeiramente definimos nossos escritores favoritos, e que achávamos que poderiam ser incluídos. Em seguida, partimos para vasculhar nossas bibliotecas pessoais (que não são pequenas!). Foi um trabalho intenso e delicioso, e lemos dezenas de contos, procurando aqueles que se encaixassem na proposta.
OC: O livro foi pensado tendo em vista um público prioritariamente jovem. Quais critérios foram considerados na escolha dos textos e como foi o processo de transpor Dickens, Poe e Doyle para a atualidade, para um público acostumado à hiperatividade da internet?
RR / MA: Acima de tudo, os contos tinham que ser realmente assustadores. Além disso, deviam ter um ritmo que pudesse ser acompanhado pelo leitor jovem; esse é um ponto importante, e tivemos de descartar várias histórias ótimas porque eram demasiado longas, ou com um desenrolar lento demais para a agitação do público de hoje.
Tivemos especial cuidado com as traduções, que visam muito mais manter o clima do que traduzir os textos ao pé da letra. Não se trata de uma adaptação, porque fomos totalmente fiéis aos textos, sem tentar resumir ou recontar as narrativas. O que fizemos foi simplificar estruturas antiquadas, que mesmo no idioma original caíram em desuso; também tentamos escolher com cuidado as palavras, de modo a permitir um entendimento mais intuitivo.
Ainda assim, é claro que o ritmo e o enfoque dos contos são diferentes do que os leitores jovens estão acostumados. Mas a ideia é justamente mostrar a esse público mais novo de onde surgiram as obras atuais da literatura fantástica, as fontes de inspiração dos autores contemporâneos. Só pode fazer bem, em termos de cultura geral, assimilar o fato de que a literatura de hoje não surgiu de um vácuo – ela vem na esteira de um longo processo de evolução e de mudança da produção literária, da cultura, da tecnologia e do mundo como um todo. Apreciar estilos e ritmos diferentes, reconhecendo o processo evolutivo constante na linguagem literária, valoriza e diversifica o senso estético, e torna mais crítico o leitor. Senso crítico – fundamentado em cultura – é algo de que nosso país precisa desesperadamente.
OC: Todos os contos presentes no livro têm como berço ou a Inglaterra de Dickens ou os Estados Unidos de Poe. Esta predileção por histórias na língua de Shakespeare foi proposital ou deu-se unicamente pela nossa total falta de representantes no gênero? É justo dizer que temos uma deficiência histórica em matéria de [boa] produção de ficção especulativa, especialmente nos gêneros horror / terror?
RR / MA: Boas narrativas de terror não faltam na literatura clássica brasileira. O que acontece é que, como tais textos foram produzidos por autores “respeitados”, não existe um interesse editorial em rotulá-los como terror, ou como fantástico.
Só para citar um exemplo, a antologia Contos Macabros, organizada por Lainister de Oliveira Esteves [Escrita Fina, 2010] traz uma boa amostra da produção brasileira de terror, treze contos que reúnem Machado de Assis, Álvares de Azevedo e Lima Barreto. Citaríamos, ainda, o maravilhoso conto “As Formigas”, de Lygia Fagundes Telles.
Resolvemos enfocar autores de língua inglesa, não só por serem mais conhecidos, mas por terem de fato desenvolvido as bases modernas da fantasia e do terror sobrenatural.
Além de nosso intuito máximo – claro, causar arrepios de medo! – outro objetivo foi mostrar que autores importantes, reconhecidos até hoje por produzirem “boa” Literatura, dedicaram-se com muito sucesso a produzir histórias de Terror Sobrenatural. Ou seja, autores excelentes do passado, como Edgar Allan Poe e Charles Dickens, não consideravam a Literatura Fantástica como uma literatura “menor”, e não tinham o preconceito que muitos escritores contemporâneos demonstram pela literatura de entretenimento.
Em nossa opinião, todo esse trabalho, que levou vários meses, resultou na descoberta de várias pérolas da literatura de terror da época, contos de uma qualidade incrível que nunca, nem nos dias de hoje, foi superada.
O lançamento da Coletânea Contos de Horror ocorrerá hoje, sexta-feira 10 de agosto, na 22ª Bienal de São Paulo, a partir das 15 horas no Stand da Editora Farol Literário [E30].