Antes Que o Mundo Acabe

Desde sua retomada no finalzinho dos anos 1990, o cinema nacional vive uma espécie de crise de fases. Primeiro, tivemos a ascensão dos road movie, filmes “de estrada” como “Central do Brasil” e “Cinema, Aspirinas e Urubus”, seguido por aqueles de temática política à lá “O que é isso, Companheiro?” e “Lamarca”. Em seguida, as adaptações se tornaram a bola da vez, e filmes como “O Coronel e o Lobisomem”, “Lisbela e o Prisioneiro” e “O Auto da Compadecida” [este, adaptado a partir de uma série de TV] ganharam as telonas, ao lado de clássicos como “Dom” [adaptado da obra Dom Casmurro], “Tieta do Agreste” e o ótimo “Lavoura Arcaica”. Ainda temos nesta lista de fases filmes mais cosmopolitas, como “O Invasor” e “Os Matadores”, os violentos, representados por “Carandiru”, “Cidade de Deus” e o recente “Tropa de Elite” e aqueles mais crus, como “Anjos do Sol”, “Amarelo Manga” e “Baixio das Bestas”. Obviamente, estou mencionando tudo muito en pasant, apenas para mensurar esta questão que levantei acerca das fases e destacar a que ora está em voga, os filmes para adolescentes.

Depois de “Sonhos Roubados”, de Sandra Werneck e “As Melhores Coisas do Mundo”, de Laís Bodanzky, agora é a vez do longa-metragem “Antes Que o Mundo Acabe” tentar conquistar a atenção desse público crescente e ávido por novidades.

Com direção da estreante em longas Ana Luiza Azevedo, “Antes Que o Mundo Acabe” conta a história de Daniel, um jovem de 15 anos que vive mergulhado em seu pequeno mundo de problemas que parecem insolúveis: uma namorada que não sabe o que quer, um amigo que está sendo acusado de ladrão, um pai totalmente ausente e a difícil fase da escolha entre ficar ou deixar a vida de cidade pequena para trás.

Tudo começa a mudar quando ele recebe uma carta do pai que nunca conheceu e que já nem lembrava que existia. Através das cartas e fotos, Daniel descobre um mundo bem maior do que aquele que até então conhecia. A história, narrada sob o olhar crítico de Maria Clara, sua irmã pequena, que observa tudo o que acontece à sua volta, é entremeada por um imediatismo constante e parece que tudo vai acabar de uma hora para outra: os ursos negros, o suco de laranja, as tribos poliândricas e a pacata vida de Daniel em São Pedro do Sul.

O filme, baseado na obra de Marcelo Carneiro da Cunha e com roteiro da própria Ana Luiza, de Paulo Halm, Giba Assis Brasil e Jorge Furtado, foi realizado pela Casa de Cinema de Porto Alegre, responsável por produções de sucesso como “O Homem que Copiava” e “Meu Tio Matou um Cara”, da qual Ana é sócia. O elenco conta com nomes como Caroline Guedes [Maria Clara], Murilo Grossi [Antônio], Janaína Kremer [Elaine], Pedro Tergolina [Daniel], Bianca Menti [Mim], Eduardo Cardoso [Lucas] e Eduardo Moreira [Pai de Daniel].

Embora “Antes que o Mundo Acabe” seja seu primeiro longa, Ana Luiza já tem experiência como co-roteirista nos curtas-metragens “Temporada” [1984] e “O Dia em que Dorival Encarou o Guarda” [1986], e como assistente de direção nas obras “Obscenidades” [1986], e o memorável “Ilha das Flores” [1989], de Jorge Furtado. A diretora gaúcha estreou na direção, em parceria com Jorge Furtado, no curta “Barbosa” [1988]. Em 1994 rodou “Ventre Livre”, documentário sobre os direitos da mulher brasileira frente à prática de métodos anticoncepcionais. Também dirigiu o curta-metragem “Três Minutos”, que participou da seleção oficial do Festival de Cannes de 2000 e o curta “Dona Cristina Perdeu a Memória”, com roteiro de Jorge Furtado, com o qual ganhou o prêmio de melhor direção no 6º Festival de Recife. Participou como assistente de direção dos filmes “O Homem que Copiava”, [2003] e “Meu Tio Matou um Cara” [2004], ambos sucesso de público.

Em seu primeiro longa-metragem, a diretora entra na onda que já arrebatou Sandra Werneck, Laís Bodanzky e o paulista Esmir Filho [de “Os Famosos e os Duendes da Morte”] e narra à história de um adolescente de classe média que vive numa pequena cidade brasileira com a mãe, a irmã e o padrasto. Daniel, o protagonista, não conhece seu pai biológico. Tem uma namorada, chamada Mim, mas vive um relacionamento que não o faz se sentir nem um pouco seguro. Mim é uma garota autônoma, tem seus planos, sua própria banda, e não sabe se deseja ser “namorada”.

Mim, Daniel e Lucas, seu melhor amigo, estudam no Colégio Santa Bárbara, uma escola coordenada por padres que tem graduação somente até a oitava série. Quando terminar o ano o trio terá que fazer suas primeiras escolhas: onde continuar estudando, se ir para uma escola pública, estudar numa cidade grande para ter melhores oportunidades ou fazer o seminário, que é de graça?

Lucas estuda neste colégio graças a uma bolsa de estudos e no momento em que a história começa, ele é o principal suspeito de um roubo que aconteceu no laboratório da escola. Daniel tenta ajudar a desfazer o engano, mas a única coisa que consegue é brigar com a namorada, que começar a “ficar” com seu amigo. Maria Clara, sua irmã pequena, observa os personagens que passam pela sala de estar onde transcorre boa parte do filme. Ninguém lhe dá importância, mas é ela quem consegue olhar de fora da história, narrar e criticar tudo o que acontece, o que deixa Daniel ainda mais irritado.

E, enquanto se vê completamente enredado por questões que para ele já parecem constituir um sistema suficientemente problemático, Daniel encontra algo novo: um envelope. Nele, há uma carta de seu pai biológico, a primeira de muitas, que soma mais um problema a todos os outros que já parecem ser suficientes para fazer seu mundo desmoronar. Ou seja, temos aqui o bom e velho fatalismo tipicamente adolescente.

Após certa resistência inicial, Daniel lê a tal carta e descobre que o pai é fotógrafo. Também fica sabendo os motivos que o levaram a deixar a família, e que agora ele pertence a uma entidade internacional chamada “Antes Que o Mundo Acabe”, que se dedica a registrar e documentar as diferentes culturas do mundo que estão sofrendo risco de desaparecer sob o impacto da globalização voraz.

Através das cartas, o pai se apresenta e se justifica diante do filho e do mundo. Daniel, após um período de dúvidas sobre o que fazer, passa a responder, mas da mesma forma: através de fotos. Assim, ele também passa a olhar ao seu redor. Desse olhar surge uma percepção mais intensa do que o cerca. Ele acaba transformando isso em fotografias que envia ao pai e, assim, se constrói o diálogo dos dois, a partir de fotos tiradas por cada um e que retratam as suas realidades.

Ao mesmo tempo, as crises que existiam em seu pequeno mundo se intensificam. Lucas é expulso da escola por conta do que acreditam que ele fez. Mim, a namorada, ou ex-namorada, não sabe se quer ficar com ele ou com Lucas. E, em meio a todas essas questões, Daniel é posto contra a parede e intimado a fazer suas primeiras escolhas adultas. Porém, agora, ele está mais atento, mais lúcido e mais crítico sobre o enorme mundo que o cerca.

“Antes que o Mundo Acabe” já participou de importantes festivais e entre os prêmios que ganhou destacam-se o de Melhor Filme e Direção no 2º Festival de Paulínia e o Prêmio Itamaraty de Melhor Longa de Ficção da 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O filme também participou de um projeto da Prefeitura de Porto Alegre, através de parceria entre o programa Alfabetização Audiovisual e o Formação de Público para o Cinema Brasileiro, desenvolvido pelo Cine Santander e com o apoio da Ancine, onde foram distribuídos cerca de 4.000 ingressos para alunos da rede municipal da capital gaúcha.

O filme estreou nos cinemas da região sul no dia 14 de maio.

Para maiores informações sobre o longa, vídeos da produção e circuito de exibição, visite o site oficial: http://www.antesqueomundoacabeofilme.com.br

Serviço

Título original: Antes que o Mundo Acabe
Gênero: Drama
Duração: 97 min.
Direção: Ana Luiza Azevedo
Roteiro: Ana Luiza Azevedo, Paulo Halm, Giba Assis Brasil e Jorge Furtado
Produção: Nora Goulart e Luciana Tomasi
Co-produção: Casa de Cinema de Porto Alegre