O Escritor Fantasma
por Rangel Andrade em maio 31, 2010Um Comentário Publicado em Cinema
Em uma de suas brilhantes declarações Ionesco disse que o crítico nada mais é que um informante de uma época e a crítica traz em si a dissertação da história de um povo”. Estamos em um momento em que o cinema, a literatura e o teatro se focam para trazerem essa denúncia do comportamento mundial e não somente entreter, mas pensar e questionar o momento em que vivemos.
Alguns filmes ou livros se utilizam de alegorias para falar claramente de um determinado assunto, foi assim com o romance O Fantasma, do escritor Robert Harris. Livremente baseado na fascinante e tumultuada história política do ex-premier britânico Tony Blair, de quem Robert Harris foi amigo e colaborador. Ao final do seu mandato, o primeiro-ministro Adam Lang, que sempre sorria para as câmeras à porta de Downing Street, mas engajou-se na Guerra contra o Terror ao lado dos Estados Unidos, recebe um dos maiores adiantamentos da história do mercado editorial pelas suas memórias. Com a mulher e um ghostwriter, começa a dar forma a seu livro. Quando o escritor é encontrado morto, um novo profissional é contratado. Porém, ele logo se arrepende ao perceber que o passado do ex-premier é bem diferente daquele pintado pela mídia.
Alegórico ou não foi esse livro que chamou a atenção do polemico diretor Roman Polanski para a criação de seu novo filme, O Escritor fantasma. O longa chega aos cinemas brasileiros após ser premiado com o Urso de Prata, (Festival de Berlim 2010) de melhor diretor. Durante o evento todas as atenções estavam voltadas para ele e especialmente pela ausência do diretor, em prisão domiciliar para responder a acusações de pedofilia.
Apesar de dizer que seu livro não é uma ilustração da vida do primeiro-ministro britânico, fica difícil afastar a ficção da vida real. Adam Lang é tão sonso e hipócrita em suas declarações e forma de agir como foi Tony Blair enquanto esteve à frente da Inglaterra. E suas ações sempre são delegadas de forma com que ele se passe por bonzinho ou amigo da nação. A crítica ao governo anti-terrorista e desastroso do também sonso George W. Bush pode ser visto durante boa parte do filme, que se foca não somente na política, mas sim nos bastidores do que torna um homem comum em um “bom” político.
O elenco primordioso conta com Ewan McGregor (em seu melhor personagem), Pierce Brosnan (charmoso, como sempre), Kim Cattrall (a já conhecida fogosa Samantha da série Sex and City- aqui mais vestida, mas ainda assim “rebolativa”) e a surpreendente Olívia Williams, uma espécie de mentora de Adam. Mas o que surpreende em sua atuação é a carga dramática, irônica e intimista que ela da a personagem. Uma Lady Machbeth moderna.
Polanki tem uma sutileza ao tratar certos assuntos que pequenas cenas não passam despecebidas, como uma em que o camareiro tenta limpar o deck da mansão dos Lang: ele coloca toda a sujeira em um carrinho de mão, o vento vem e a joga longe, essa ação é repetida durante alguns segundos. Muda-se a tomada, fica-se a mensagem: será que toda sujeira sempre vêm à tona?
É um filme de imagens e sons. A fotografia (Pawel Edelman) é perfeita ao retratar uma ilha paradisíaca dos Estados Unidos (embora as locações tivessem sido realizadas ao norte da Alemanha), e fica difícil assistir o filme e não se submeter ao clima de solidão, segredos e intrigas que as imagens nos proporcionam. A trilha sonora (Alexandre Desplat) brinca com a música instrumental e sua conexão com as imagens e interior dos personagens se dá forma sutil onde uma complementa a outra.
Irônico e sarcástico, o filme traz como personagem principal um político que encontra no exílio a forma mais simples para tentar se livrar das acusações de abuso de poder. Fatalmente seu diretor também se encontra no exílio tentando não ser condenado por um crime de estupro ocorrido em 1977. Coincidências à parte, a sombra do filme é o polêmico diretor que consegue fazer da ficção uma ilustração do seu momento atual. Resta esperar pelo final desta novela (ou super longa-metragem) que se desenrola por mais de 30 anos.
Se era a intenção falar de um tema polêmico ou adaptar um excelente livro não saberemos, mas que Polanski se valeu de um tema atual e um ótimo roteiro para fazer um bom filme isso é claro ja nas primeiras tomadas. Bom filme, excelente recado. Será que Blair vai assisti-lo?
O Escritor Fantasma
Titulo original: (The Ghost Writer)
Lançamento: 2010 (França) (Alemanha) (Reino Unido)
Direção: Roman Polanski
Atores: Pierce Brosnan, Ewan McGregor, Olivia Williams, Kim Cattrall, Tom Wilkinson
Duração: 128 min
Gênero: Suspense
RANGEL ANDRADE
Ator e fundador da ESS N.CIA, cia de teatro.