Alice no País das Maravilhas – Rangel Andrade

“Você é completamente pirado. Mas, vou te contar um segredo. As melhores pessoas são assim…”
…de Alice para o Chapeleiro Maluco

Alice é a busca por uma identidade: uma adolescente perdida em meio as escolhas que lhe são impostas se depara com a Alice menina, na figura do coelho, e decide fugir do mundo mesquinho e hipócrita em que está inserida e ir atrás do mundo em que sonha em viver. Mas ao adentar o mundo subterrâneo ela vê que não estava preparada para se reencontrar com a parte esquecida da sua infância e acaba por negar quem é. Criando uma luta interna a respeito de quem é e o que deve ser.

A Alice (do filme ou do livro) é uma mocinha que mora dentro de cada um de nós, é uma visão sobre os medos das escolhas, erros e acertos. É o ser humano no seu mais puro estado de descoberta. A Alice de Tim Burton já tem 19 anos, mas ainda assim traz questões inerentes a qualquer pessoa que se vê diante de uma escolha ou de um destino já traçado, como é o caso da sua visita ao mundo das maravilhas: apesar de saber que seu destino é matar para salvar aquele mundo ela tenta ao máximo fugir do que já esta escrito, seja por medo do resultado final ou medo de se aceitar sendo dona de uma grande missão, ou seja, trazer para si uma responsabilidade para a qual ela não se preparou.

Burton sabe o quer com o filme, ele deixou claro que a Alice por ele criada é um interpretação sua para a história. Mas sua ousadia também foi seu deslize, o roteiro criado por Linda Woolverton é um pouco previsível em algumas partes e em outras parado. Porém não deixa de ser inovador ao colocar nas telas uma Alice mais velha envolta em um mundo mais cheio de tramas. Curiosamente Linda é a roteirista de Maleficent, próximo filme da Disney que contará a história d’A Bela Adormecida pela visão da Rainha Má.

A história criada por Burton permeia pelo mundo imaginário ainda antes de Alice entrar no buraco pela segunda vez: suas amigas que tentam à qualquer custo fazer com que ela se case com o Lorde Ascot são quase uma extensão dos gêmos Tweedledee e Tweedledum, o Lorde seria um possível Chapeleiro Maluco e a Lady Ascot uma visão real da indugente Rainha Vermelha. É uma licença poética muito bem utilizada estabelecendo uma conexão entre à vida da Alice real e a imaginária, e as pessoas que passam por sua vida, marcando de uma forma ou outra. E da mesma forma que no mundo das maravilhas Alice acaba por se entregar ao seu destino, no real ela também assume quem realmente é.

Anne Hathaway (Noivas em Guerra) é a exceção no filme, não tira muito proveito de seu personagem, que embora chato é a força que se abate contra a mimada (porém má) Rainha Vermelha, interpretada pela estupenda Helena Bonham Carter (a bruxa Bellatrix Lestrange, da série Harry Potter, e também mulher de Burton) que deita e rola com sua personagem de cabeça desproporcionalmente gigantesca e seu bordão: “Off with his/her head” (“Arranquem-lhe a cabeça”). Alíás, este já esta na boca das crianças e de alguns velhinhos que muito curtiram a versão de 1951.

Mas o que dizer do Chapeleiro Maluco? Simplesmente esplêndido. Johnny Depp da vida á mais um estranho personagem (os outros também são criações entre Burton e Depp: Edward ou Willy Wonka), mas é um show á parte. Seu chapeleiro foge da maluquice convencional e se torna mais humano, palpável e capaz de chegar mais perto do coração do público. E me desculpem meus amigos críticos, mas o Passo Maluco é a parte mais espetacular da atuação de Jonny, é o momento em que a maluquice e a lucidez do personagem se fundem e ele volta a ser o que era: um maluco sonhador pronto a servir o melhor chá do país das maravilhas.

Os figurinos de Alice são desenhados pela brilhante Colleen Atwood, que ganhou o Oscar por Chicago em 2002 e Memórias de uma gueixa em 2006. O maior mérito do trabalho de Collen é a forma como ela utiliza as cores. No mundo real os figurinos são feitos basicamente em tons de cinza, branco e azul e quando mergulhamos no mundo subterrâneo explodem cores aos olhos: vermelhos sangue, pretos, rosas-choque, azul turquesa. Um banho de cores para qualquer amante das obras góticas de Burton. E o interessante desse trabalho é justamente esses opostos entre as vestimentas: enquanto no mundo real temos figurinos mais simples e menos colorido, no imaginário as várias formas de roupas e desenhos nos brindam com ilustrações inimagináveis para um mundo irreal.

Lewis Carroll representa na literatura o que talvez Burton represente hoje para o cinema os dois são capazes dar vida a personagens irreais, mas que trazem em si características inerentes a qualquer pessoa capaz de sonhar e lutar por seus objetivos. Um filme que deve ser visto pela sua excelência técnica e pela criatividade demonstrada, típica de Tim Burton.

Serviço

Alice no País das Maravilhas
titulo original: Alice in Wonderland
lançamento: 2010 (EUA)
direção: Tim Burton
atores: Mia Wasikowska , Johnny Depp , Helena Bonham Carter , Crispin Glover , Anne Hathaway
duração: 108 min
gênero: Aventura
status: em cartaz