Percy Jackson e o Ladrão de Raios – Crítica
por Rober Pinheiro em março 29, 2010Um Comentário Publicado em Cinema
Há filmes que nascem com uma aura de ineditismo que nos toma de assalto logo de início, na primeira cena, e nos arrasta durante horas a fio sem que percebamos isso e outros que apenas repetem velhas fórmulas, mudando tão-somente as caras e trejeitos, mas mantendo a dinâmica narrativa praticamente inalterada, numa espécie de mimese quadro a quadro. E, quando se trata de adaptações literárias para a tela grande, ou se tem a ousadia de experimentar, arriscando-se a ser mal recebido junto à crítica e, principalmente, ao público — entenda-se, renda — ou se segue um modelo preestabelecido, livre do risco, mas aí, perde-se totalmente a emoção do novo.
Ao entrar no cinema para ver Percy Jackson e o Ladrão de Raios (Percy Jackson & the Olympians: The Lightning Thief), filme do diretor Chris Columbus, baseado na série de sucesso “Percy Jackson e Os Olimpianos”, do escritor norte-americano Rick Riordan, confesso que esperava sentir a primeira emoção, a do ineditismo, mas ao sair de lá tinha bem impresso nas retinas e na percepção um leve gosto de dejà vu, de repeteco. Não que o filme seja ruim, pelo contrário. Nele, estão presentes todos os elementos do cinema-pipoca, bem distribuídos ao longo de suas quase duas horas de projeção; o mocinho que se descobre subitamente herói, a rejeição inicial e a posterior aceitação — devidamente abnegada, que fique claro —, os amigos da guarda que o auxiliam, o vilão que só aparece no desfecho, os treinamentos, as perseguições, explosões e a inevitável corrida contra o tempo e os efeitos visuais, muitos efeitos visuais.
Tudo isso, por si só, já seria suficiente para garantir algumas horas de boa diversão descompromissada. O problema é que, ao final do filme, temos a impressão de sair do cinema com um gosto de repetição amargando na boca, como se já tivéssemos consumido aquela mesma fórmula outra vezes.
Mas, vamos à história: (se você ainda não viu o filme, cuidado com os pequenos spoilers. Siga por sua conta e risco!) Percy é um jovem que sofre de dislexia e síndrome de déficit de atenção, fatores que o fazem ser constantemente expulso das escolas por onde passa. Ele vive com a mãe e o padrasto e, como de praxe numa boa história fantástica, não conhece o pai. Numa excursão da escola a uma exposição grega, ele é atacado do nada por uma Fúria, uma criatura da tradição mitológica grega, que até então ele acreditava existir apenas nos livros que seu professor paraplégico insistia em lhe indicar. No meio da escaramuça, Percy acaba descobrindo ser filho de Poseidon, o poderoso deus dos mares, que se mantivera afastado dele até então unicamente para protegê-lo. Contudo, dada sua importância, dois guardiões foram designados para cuida dele, um sátiro espirituoso e falastrão e um centauro, nada menos que o grande Kíron, que na sua “versão humana” é o mesmo professor paraplégico mencionado anteriormente.
Até aí, nada demais, certo? Errado! O problema começa quando, logo em seguida, durante a fuga para um lugar seguro, eles são atacados por um minotauro de quase três metros de altura e sua mãe é supostamente morta. Digo supostamente por que a mulher simplesmente some no ar. E pronto! Não há choro e nem tristeza no fato de o herói perder a mãe, e como tais sentimentos são irrelevantes, resta apenas o desejo de vingá-las ou, neste caso, já que de mitologia estamos falando, resgatá-la das mãos do próprio Hades, o Senhor do Mundo Inferior.
A partir daí, as coincidências com a história de um certo bruxinho de óculos e cicatriz na testa são gritantes. Percy vai parar num acampamento-escola, conveniente chamado de Acampamento Meio-Sangue, onde deverá aprimorar suas habilidades de guerreiro. Já no primeiro dia, ele conhece Annabeth, uma jovem inteligente e experta nas mais variadas estratégias de batalhas, não por acaso filha da deusa Atenas.
Depois de um enfrentamento em que, pelo bom andamento da história, ele miraculosamente a vence, Grover, o sátiro, se junta a eles e é formado o trio de heróis que vai seguir pelo resto da história.
Um centauro mentor, um jovem despreparado figurando como herói, uma moça bonita e inteligente e um amigo, espécie de alívio cômico do grupo. Infelizmente, não há como não se lembrar de um certo outro trio de uma certa outra história que, coincidência ou não, também já passaram pela mão do diretor Chris Columbus.
Devidamente enturmados e felizes — a mãe do herói continua morta, mas quem liga?! —, eis que surge a chance de sair à cata do tal ladrão de raios do título e, assim, livrar seu pescoço, além de salvar o mundo da fúria de Zeus na esteira. Mas, como todo adolescente que se preze, Percy tem seu quê de rebelde e, após ser desafiado por Hades em espírito e chama que exige que ele lhe entregue o raio de Zeus em troca de sua mãe — sim, ela não morreu, só virou moeda de barganha —, ele parte com a cara e a coragem junto a seus dois amigos em busca de jóias que, primeiro os levarão ao Hades e, depois, ao Monte Olimpo.
E Harry Pott…, digo, Percy Jackson pega a estrada. Na busca pelas três jóias, ele vai enfrentar toda sorte de criaturas mitológicas nos mais improváveis lugares dos EUA, desde uma medusa fashion, deliciosamente encarnada na pele de Uma Thurman, a uma hidra de lerna que faz um free-lance como guarda de museu.
Nesta altura da história você já perdeu toda a esperança de encontrar qualquer originalidade que seja e se deixa levar pelas gargalhadas esporádicas a cada nova situação esdrúxula que surge na tela. E, talvez esse seja o grande mérito do filme: assumir-se como entretenimento, pura e simplesmente. Prova disso são as tiradas escrachadas de Grover, o sátiro, que transforma tudo em piada.
O filme segue brincando com as lendas gregas, planificando-as, conferindo-lhes um curioso aspecto pós-moderno, efêmero e raso, como a transposição de uma das entradas do Hades, posta sob o letreiro de Hollywood, ou o visual à lá Raul Seixas do Senhor do Mundo Inferior.
No fim, revelado o vilão e resolvida a pendenga do raio, resta o inevitável encontro para o acerto de contas entre pai e filho e o reencontro com os amigos. Aos telespectadores, ficam as boas horas de gargalhadas, além da certeza de que, mesmo não reinventando a roda, o filme não decepciona de todo e até tem lá sua graça particular.