3 perguntas para A. Z. Cordenonsi
por Rober Pinheiro em setembro 14, 2012Zero Comentários =( Publicado em Livros
Trens desgovernados, ordens de cavalaria, dois garotos perdidos, uma assombração e a busca por um artefato mágico. Parece samba de crioulo doido, né? Só que não. Ou quase!
Duncan Garibaldi e a Ordem dos Bandeirantes, de A. Z. Cordenonsi, é o livro responsável por juntar essa salada de referências tão improváveis num cadinho só. Com lançamento anunciado pela Editora Underworld, a história é uma fantasia aventuresca que conta a saga de dois garotos de uma pequena cidade gaúcha que, após encontrar o corpo ensanguentado de uma jovem, acabam se envolvendo em uma luta secular pela posse de um artefato misterioso.
Depois deste incidente, suas vidas monótonas e sem graça são completamente transformadas e eles acabam descobrindo que a pitoresca Vila Belga pode conter muitos mais segredos do que eles poderiam imaginar. Acaudilhados para o olho do furacão pelo impetuoso Cavaleiro Nicolau, Duncan e Joaquim, os dois pentelhos da trama, são atacados por ghouls assassinos, viajam em um trem cambaleante, combatem um gigantesco tartaranho e precisam se defender do irrefreável Homem do Chapéu de Ferro.
Perseguidos pelos inescrupulosos agentes d’O Inimigo e contando com a ajuda da menina desencarnada, os garotos terão que sobreviver ao desafio mais difícil de suas vidas, contando apenas com a força da sua amizade e uma boa dose de coragem. Ao participar da busca pela Clave Cristalina, eles se deparam com horrores inimagináveis e se agarram com todas as forças a sua sedutora companheira, a Aventura!
Para conhecer um pouco mais dessa história instigante, fizemos 3 perguntas para A. Z. Cordenonsi:
Outra Coisa: Recentemente surgiu uma geração de escritores preocupados em apresentar em suas histórias uma conceitualização mais nacionalista de tramas e personagens, trazendo para a literatura reinvenções de arquétipos e mitos folclóricos clássicos. Como autor dessa leva de novos fantásticos, você acha que a literatura especulativa encontrou nessa releitura um caminho para se desvincular do modelo fantástico anglo-saxão ou, em sua opinião, isso não chega a ser uma necessidade / preocupação?
A. Z. Cordenonsi: Bom, primeiramente, olá a todos os leitores outrocoisenses. Eu não acredito que a “necessidade” seja um termo que deva permear qualquer livro de ficção, seja literatura fantástica ou não. Eu vejo os autores biográficos beberem, constantemente, da fonte da necessidade, principalmente, a de ocasião [quando da morte de uma pessoa famosa, por exemplo]. Desta forma, não acredito que os autores, nacionais ou não, necessitem se desvincular de alguma fórmula pronta, ou mesmo se preocupar com ela. Sim, existem fórmulas prontas para qualquer tipo de livro, mas utilizar este tipo de paradigma não leva nem ao sucesso ou ao insucesso. A história a ser contada é muito mais importante do que o modelo que o autor resolveu adotar. A originalidade pura, em essência, raramente existe. Se algum autor acha que, por escrever utilizando-se dos mitos nacionais, vai ser “original”, provavelmente terá problemas. O mais importante, para esse que vos responde, é o “projeto do livro”. O que você pretende com o livro? Que história você vai contar? Ela tem vinculação com a nossa realidade? Não? Sem problemas! Crie um mundo verossímil [ou mundos], pontilhe com acidentes geográficos, acrescente algumas espécies que se adaptam a este mundo, insira, aqui ou acolá, seres dotados de inteligência e voilá! Agora, escreva, entre o capítulo 1 e o the end, a sua ideia. Ah, não é isso que você quer? Quer escrever algo que se passa nos dias de hoje, ou em outra época, mas na nossa realidade? Bom, aqui temos um probleminha adicional. Onde vai se passar a história? Em São Paulo? Nova York? Londres? Teerã? Antártida? Você conhece o local? Pesquisou suficientemente sobre ele? Sabe como as pessoas de lá se comportam? O que elas comem? Que horas faz frio? Quando chega o calorão? Você já morou lá? Bom, se, para a grande maioria das perguntas acima, a resposta for sim, você tem meio caminho andado para escrever sua história. Agora, se a reposta for não… Bem, meu caro, acho melhor voltar para a prancheta.
E onde quero chegar com tudo isso? Que eu não vejo como “necessidade” escrever histórias com o nosso rico panteão mitológico, mas, acredito que deva ser uma “preocupação” escrever uma história verossímil. A história pode conter boitatás, vampiros ou nefertitis; isso, realmente, não importa. A veracidade do livro é o que prenderá o leitor e a mesma é diretamente proporcional ao conhecimento que o autor tem sobre a realidade que ele deseja representar. Ou teremos sempre chineses lutadores de kung-fu, japoneses nerds, americanos de sorriso largo e bombadões, russos introspectivos e por aí vai…
OC: Em Duncan Garibaldi e a Ordem dos Bandeirantes você criou todo um pano histórico ficcional que remonta à época quinhentista e à Corte Portuguesa. Como se deu a construção deste Zeitgeist garibaldino e de que modo você trabalhou a relação da fictícia Ordem dos Bandeirantes com os fatos históricos reais, como a atuação da Companhia de Jesus no Brasil?
AZC: Com muito trabalho! O projeto do livro começou com duas coisas: a Vila Belga real, uma vila operária, construída no final do século XIX junto à Estação Ferroviária para abrigar os empregados que trabalhavam na via férrea; e o embate ficcional entre os seres d’Outro Lado com a civilização humana. Eu precisava de uma associação que fizesse frente às entidades amaldiçoadas, uma associação que tivesse uma história antiga e bem desenvolvida. Considerando o Brasil Colônia [1500 em diante], me detive em dois elementos principais: a vinda da Companhia de Jesus para o Brasil e o contínuo aparecimento de Ordens de Cavaleiros que prestavam honra a Igreja Católica. Com este fundo histórico, era crível imaginar uma Ordem de Cavaleiros que atuasse no Brasil, secretamente, combatendo as forças malignas. Além disso, a história da Companhia de Jesus no Brasil era amplamente favorável à minha concepção de uma Ordem proscrita: eu desejava desvencilhar a Ordem atual dos mandos de Roma e, para tanto, utilizei-me do conflito real entre o Marques de Pombal e a Companhia de Jesus, fornecendo o estopim para a ruptura entre o Vaticano e a Ordem dos Bandeirantes. No site www.duncangaribaldi.com.br há um texto completo explicando a Origem da Ordem dos Bandeirantes. Eu escrevi este texto durante o processo de desenvolvimento do livro, o que acabou sendo decisivo para o enredamento da história. Ao desenvolver o texto, elucidei para mim mesmo grande parte das motivações dos envolvidos: A Ordem dos Bandeirantes, a Corte Portuguesa, o Vaticano, o Brasil Imperial e a própria Companhia de Jesus. Isso tornou o processo de escrita do livro muito mais rápido e prazeroso. Convém notar que o meu livro “não é” um romance histórico, como, por exemplo, os textos de Bernard Cornwell. A minha intenção era escrever uma “realidade alternativa de não-ruptura”. Explico o neologismo: a maioria dos livros de realidade alternativa apresenta um ponto de ruptura em algum lugar do passado para, a partir daí, desenvolver toda uma nova sociedade. Exemplos clássicos: e se os nazistas ganhassem a guerra? E se os EUA vencessem a guerra do Vietnã? E se Solano López ganhasse a Guerra do Paraguai? E se a Revolução Farroupilha tivesse desmembrado o Rio Grande do Sul do Brasil? E se os estados sulistas ganhassem a Guerra da Secessão nos EUA?, e por aí vai… Já a realidade que apresento no livro é exatamente a mesma em que vivemos. No entanto, o que acreditamos ser verdade, está longe de ser verdadeiro. Existem elementos nebulosos cercando-nos, escondendo a verdade aterrorizante dos cidadãos comuns. Por isso, a História dos Cavaleiros Bandeirantes é recheada de fatos históricos verdadeiros. O que muda, na maioria das vezes, é a intenção e as causas por trás das versões oficiais. Em relação à fantasia, neste primeiro volume comecei a esboçar o plano mitológico que quero representar. O tema ferroviário sempre foi muito presente na literatura de fantasia. É um trem acidentado que finaliza As Crônicas de Nárnia [C.S.Lewis], é um trem que leva o desaparecido Richard para a Earl’s Court [Lugar Nenhum, Neil Gaiman], existem trens nas obras de Stephen King, J. K. Rowling e Chris Van Allsburg. O meu desafio é ir além deste ponto, além da utilização das locomotivas fumegantes como um elemento imponente, porém, ambiental, das histórias. O que desejo é construir um mito ferroviário, onde arquétipos como o psicopompo, o inferno, a alma e, até mesmo, os seres sobrenaturais, assumam contornos baseados no pistão, no vapor, nos carris e nas locomotivas. Ao invés de um Grande Arquiteto do Universo, apresento-lhes o Grande Maquinista.
OC: Duncan Garibaldi e a Ordem dos Bandeirantes é seu primeiro romance publicado. De ordens de cavalaria a criaturas fantásticas, da tecnologia retrô e de seu fascínio por trens à boa e velha jornada do(s) herói(s), o que mais os leitores podem esperar deste cadinho fantástico?
AZC: Muita ação, aventura e divertimento. Eu classificaria o livro como uma aventura fantástica, onde os seres d’Outro Lado e a ambientação retrô das velhas ferrovias apresentam um pano de fundo perfeito para as aventuras pickwickianas dos dois garotos, sempre acompanhados pelo Cavaleiro Bandeirante turrão e uma assombração impertinente. É um livro de origem, como não poderia deixar de ser, mas também de descobertas, de amadurecimento dos protagonistas, de exploração de uma nova realidade. Entre golpes de esgrima, trens a vapor, ghouls e uma rainha de tirar o fôlego, o livro pretende agarrar o leitor pelo cangote e arrastá-lo por uma jornada de vapor, lágrimas e risos.
Sejam bem-vindos, Cavaleiros e Amazonas, ao mundo obscuro das noites perigosas d’Outro Lado. Mas, não se preocupem…
Pois agora e para todo o sempre,
A Ordem Vigia!
O livro Duncan Garibaldi e a Ordem dos Bandeirantes será lançado durante o Fantasticon 2012, aqui em São Paulo, nos dias 15 de 16 de setembro.